Profissão Profe

CUIDADOS COM A SAÚDE DOS PROFESSORES EM TEMPOS DESAFIADORES NA EDUCAÇÃO

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O Projeto Espiral Valente tem como objetivo promover a saúde e prevenir o adoecimento docente. Com um olhar mais amplo para os profissionais da educação, vemos seres humanos e não máquinas de produzir. O corpo de um (a) professor (a) não é apenas um lugar onde se guarda conteúdo. É um corpo que tem uma trajetória de vida, marcada por suas experiências. Um corpo que sente, se emociona, se preocupa e faz o melhor possível todos os dias. O corpo docente é um corpo que cuida, mas nem sempre SE cuida. Como educadoras físicas, criamos espaços de autocuidado e fortalecimento coletivo. Nossos encontros com os professores são compostos por cuidados com o corpo e com a mente, rodas de conversa, dinâmicas de grupo e técnicas de relaxamento. Acreditamos que uma educação do cuidado precisa ser parte do planejamento da escola, pensando caminhos para criar relações mais saudáveis dos professores consigo mesmos, com os outros e com o ambiente escolar.

Na universidade aprendemos que somos uma caixa de acumular conhecimentos que serão passados aos estudantes. Seremos avaliados nesse processo de formação e mais tarde avaliaremos nossos/as alunos/as. Em nenhum momento somos cuidados e alertados do esgotamento físico e mental que nossa profissão pode causar, das questões sociais presentes na escola e consequentemente na sala de aula e do quanto precisamos lutar para que as atividades escolares não se estendam para fora do horário de trabalho, afetando nossas vidas, tempos de lazer e nossas relações familiares e sociais.  

Somos condicionados a ler documentos que regem os passos da educação, onde tudo na teoria parece bem bonito, mas na prática, na maioria das vezes, recebemos uma formação e depois propomos aos nossos estudantes o mesmo modelo de educação, que aponta mais na direção do Vestibular, que da formação cidadã.  

Vemos que a Educação Física por exemplo, vem perdendo espaço e importância dentro da escola. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a Educação Física é componente curricular obrigatório da Educação Básica. Porém, apesar de ocupar um lugar importante na LDB, no Ensino Médio ela é ofertada como itinerário formativo, à escolha dos alunos. Isso, dentro da proposta pedagógica das escolas, reduz significativamente a carga horária da disciplina, tornando-a conteúdo não obrigatório (CONFEF, 2022).  

Ainda se tem uma visão da Educação Física como esportes de competição e rendimento, mas já existem inúmeras pesquisas que mostram que um corpo é muito mais que resultados esportivos. A Educação Física é responsável por preparar uma pessoa tanto para realizar uma atividade física, como para praticar o cuidado de si, algo tão importante e essencial por toda a vida. O Vestibular nos leva à universidade, mas nosso corpo nos acompanha por toda uma vida. São as nossas escolhas que nos farão ter um corpo mais ou menos saudável e quanto mais cedo tivermos informações que nos ajudem a fazer boas escolhas, melhor será nossa qualidade de vida.  

Desde 1997, os profissionais da Educação Física são reconhecidos como profissionais da saúde, um “direito de todos e dever do Estado” (BRASIL, 1997). Se a saúde é considerada um direito, não deveria ser questionada a importância da existência da Educação Física nas escolas e muito menos facultativa a participação do aluno nos anos iniciais e finais da educação básica.  

Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a Educação Física ocupa a área das Linguagens, cuja finalidade é:  

 

possibilitar aos estudantes participar de práticas de linguagem diversificadas, que lhes permitam ampliar suas capacidades expressivas em manifestações artísticas, corporais e linguísticas, como também seus conhecimentos sobre essas linguagens (BRASIL, 2018).  

 

Um corpo não é só uma estrutura que funciona mecanicamente. Nossos movimentos corporais são também resultado do que sentimos, da forma como nossas emoções estão organizadas intrinsecamente. Em que momento da nossa formação somos perguntados sobre o que sentimos? Em que currículo caberá o falar sobre essas emoções e também o aprender a cuidar delas?

Em um movimento que convida a refletir sobre uma educação do cuidado e uma docência mais saudável, compartilhamos a experiência do Projeto Espiral Valente na Escola. Nela, como professoras de Educação Física, nos empenhamos em mostrar um olhar mais amplo para nossa profissão, capaz de contribuir com a saúde das pessoas, sem ter como maior preocupação um resultado numérico, como medidas corporais, notas escolares ou qualquer outro tipo de performance.  

Estamos falando de encontros com professores/as dentro e fora das escolas, para dialogar sobre a promoção da saúde e vivenciar a prevenção do adoecimento docente. A profissão docente é considerada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como uma das mais estressantes, pelo fato da docência ter se tornado uma atividade extenuante, com consequências na saúde física, mental e no desempenho profissional (OIT, 1984).  

No Brasil, 66% dos educadores já precisaram pedir licença por problemas de saúde (DINIZ, 2019). Ao longo do tempo, não só as mazelas sociais começaram a interferir mais e mais no contexto escolar, bem como as demandas encontradas no ambiente educacional foram se tornando mais complexas, afetando diretamente a saúde de todos os profissionais que fazem parte de instituições educativas (NASCIMENTO; SEIXAS, 2020).  

Estamos falando de professores que adoecem por não serem cuidados em seus ambientes de trabalho, cujas equipes gestoras também não receberam uma educação do cuidado. A Educação Física lida com seres humanos. Então, mais que qualquer estatística, ela deveria ter como principal vertente o CUIDADO, nos ensinando a cuidar uns dos outros e de nós mesmos. O cuidado deveria estar em todos os movimentos de um corpo e em suas relações. O adoecimento vem da falta de informação para cuidar desse corpo ao longo da vida.

Muitas vezes nos faltam informações sobre como nos cuidar e aprender a cuidar de forma que a gente não adoeça nesse caminho. Por isso que a Educação Física não pode ser negligenciada. Se o cuidado não é trabalhado com equilíbrio e conhecimento, corremos o risco de estar em um destes grupos de pessoas: aquelas que não receberam cuidado e, portanto, não sabem como cuidar de si nem do outro e aquelas que se veem no lugar de cuidadoras, direcionando toda a sua energia para os outros e esquecendo de cuidar de si mesmas. Os professores, em sua maioria, se encaixam nesta última categoria.  

Este é um tema que deveria ser mais discutido diante dos resultados alarmantes das pesquisas. Sendo assim, pensamos uma metodologia que pudesse contribuir para a diminuição dos índices de adoecimento docente. Criamos encontros de 1h30, divididos em quatro momentos: cuidados com o corpo, rodas de conversa, dinâmicas de sensibilização, interação e conexão e cuidados com a mente/relaxamento.  

Durante os momentos de cuidado com o corpo, a intenção é aliviar os pontos de tensão no corpo docente, através de exercícios de equilíbrio, alongamentos, pequenas movimentações articulares e consciência corporal.  

Nas rodas de conversa, trazemos para a discussão coletiva temas sobre o dia a dia escolar e saúde docente, escolhidos pelos próprios educadores e pensamos em soluções possíveis para tornar a escola um lugar mais saudável, onde os/as professores/as gostem de estar. Também usamos nossas experiências e conhecimentos para falar sobre a importância do cuidado de si, propondo caminhos para escolhas mais conscientes e saudáveis em suas rotinas, criando um espaço de trocas, expressão de sentimentos e construção coletiva.  

As dinâmicas de sensibilização, interação e conexão são para criar um momento em que os professores se encontram de formas diferentes, se tornam conscientes de suas diferenças, mas também de sua igualdade na condição de ser humano, com suas forças e fragilidades. Também é um momento para descontrair, relaxar, rir e se emocionar junto com a equipe. Aqui, vem à tona memórias afetivas e é quando temos a oportunidade de nos conhecermos melhor, para além do papel de profissionais da educação e trabalhar o fortalecimento da equipe.  

Ao final, realizamos cuidados com a mente e técnicas de relaxamento, tais como: meditação, respiração e desaceleração dos ritmos externos e internos. O objetivo é experimentar tempos de pausa, mostrando a importância de encontrarmos um equilíbrio diário entre os momentos de movimentação e relaxamento, pelo nosso bem-estar.

Acreditamos que o conjunto dessas práticas promovem qualidade de vida, cuidando da saúde do professor e diminuindo os índices de adoecimento docente. Um espaço de cuidado para os profissionais da educação pode fazer sim a diferença entre uma equipe funcionando em harmonia e uma equipe adoecida. Todos os participantes relataram sensações de bem-estar físico e mental depois de participarem dos encontros com a equipe do Projeto Espiral Valente. A maior parte dos profissionais da educação, tenta levar para a vida o que aprenderam a partir dessa experiência.

Nossa maior dificuldade é que as Secretarias de Educação e a própria gestão escolar, entendam como é importante abrir um espaço entre as atividades do calendário escolar para cuidar da equipe docente. É preciso fazer um exercício fundamental de sair de um ciclo que somente visa atender demandas de forma automática, para cuidar da parte humana da equipe, no sentido de que essas demandas possam ser mais bem atendidas sem gerar sobrecarga, insatisfação, desmotivação e adoecimento. Professores/as que recebem cuidado, se sentem mais valorizados, respeitados e mais motivados para trabalhar.  

O ponto forte desta metodologia é que ela é replicável em qualquer escola e também que os conhecimentos adquiridos e experiências vividas durante os encontros, podem ser replicados para os próprios estudantes.

Em um país onde mais da metade dos professores já teve que se ausentar da escola para cuidar de problemas de saúde, não podemos ignorar que o adoecimento docente vem se tornando uma questão urgente, que não pode mais ser invisibilizada pelos sistemas educativos. Siga o nosso projeto na página @espiralvalente!

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 218, de 06 de março de 1997.  Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/1997/res0218_06_03_1997.html> Acesso em: 13 jan. 2024.

CONFEF, Conselho Federal de Educação Física. Educação Física no Novo Ensino Médio. Revista de Educação Física. Volume 80. p. 1 - 4. Maio, 2022 Disponível em: <https://www.confef.org.br/confef/comunicacao/revistaedf/4758#:~:text=A%20Lei%20de%20Diretrizes%20e,curricular%20obrigat%C3%B3rio%20da%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20B%C3%A1sica> Acesso em: 14 jan. 2024.

DINIZ, Giovanna. Por que os professores faltam tanto? 2019. Disponível em: <https://gestaoescolar.org.br/conteudo/2234/por-que-os-professores-faltam-tanto> Acesso em: 20 jan. 2024

NASCIMENTO, Kelen Braga do; SEIXAS, Carlos Eduardo. O adoecimento do professor da Educação Básica no Brasil: apontamentos da última década de pesquisas. Revista Educação Pública, v. 20, nº 36, 22 de setembro de 2020. Disponível em: <https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/36/josepho-adoecimento-do-professor-da-educacao-basica-no-brasil-apontamentos-da-ultima-decada-de-pesquisas> Acesso em: 16 jan. 2024.

Organização Internacional do Trabalho (OIT) & Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). A condição dos professores: recomendação internacional de 1966. Genebra, 1984. Disponível em: <https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000160495_por> Acesso em: 22 jan. 2024.

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